quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Ensaio sobre identidade e soberania

O problema de fundo do Sporting não consiste em não ter resultados desportivos, económico-financeiros ou de gestão. Esses apenas se apresentam como um dano colateral do verdadeiro problema que é a falta de identidade e, por consequência, de soberania.
A falta de identidade e de soberania consubstancia, em si, as medidas que as diversas gestões danosas dos últimos 15 anos nos habituaram: Medidas avulsas, ausência total de projecto financeiro e deportivo e consequente crónica vivência numa realidade paralela.
E o que é que a falta de identidade traz? Desde logo a confusão. Posições enfraquecidas nas negociações, na comunicação, na disputa, com os outros grandes, de posições em questões estruturais e tratamento diferenciado, só para dar alguns exemplos.
Para mim, começa tudo na legitimidade.
Que identidade e soberania pode uma direcção transmitir, se não é legitimada pela maioria dos sócios (33% dos votos não legitimam ninguém)? 
Se não tem projecto claro e objectivo (mandar para o ar que vamos ganhar no triénio não é um projecto)?
Se as próprias pessoas que compõem a mesma, defendem "damas" diferentes (como se viu na questão FPF, em que o clube e a Sad defendiam damas diferentes)?
Se cada um fala por si, ao seu ritmo e assinando opiniões, muitas vezes, antagónicas (basta lembrar as declarações de vários indivíduos com responsabilidade)?
Nenhuma! O que transmite é a sensação de estarmos perante um clube esquizofrénico. E a esquizofrenia é um problema.
Devido a isso, não seja pois de estranhar, as centenas de episódios trágico-cómicos que nos limitam à chacota nacional constante.
O Sporting, para voltar a ser grande no plano futebolístico - visto que nas "amadoras" continua a ser a maior potência nacional e uma das maiores do mundo, embora o "core business", pelo dinheiro e massa adepta que movimenta, seja o futebol -  tem que mudar:
- a forma como se vê e como é visto perante os outros.
- a forma como comunica e como vende a marca Sporting.
- a forma como exige aos atletas e restantes assalariados e como paga o mérito de cada um. 
E tem que envolver os sócios, com seriedade, nas grandes questões.
Sem uma identidade e uma exigência fortes, da parte de todos e para todos, o clube nunca sairá desta espiral negativa em que se encontra.

A forma como se vê e é visto pelos outros
Uma coisa leva a outra. O Sporting precisa de uma introspecção do género "de onde venho e para onde vou ou para onde quero ir".
Não vale a pena continuarmos a dizer que somos grandes quando, depois, isso não se verifica, nem na forma como (não) nos impomos, nem na forma como negociamos, nem na forma como comunicamos ou tratamos das grandes questões. O Sporting hoje, vive à sombra do passado, das glórias e feitos passados, mas nunca investiu, de facto e para ganhar, no presente e  no futuro, porque nunca mudou o paradigma dos últimos 30 anos. Em 3 décadas ganhámos 3 campeonatos, 5 taças e 7 supertaças. Em 3 décadas, tirando os 3 títulos quantos anos mais lutámos nós (a sério) pelo título? 6 ou 7 em 30 não fazem de nós crónicos candidatos.
Enquanto os sócios acharem que continuamos grandes à custa dos pergaminhos, mesmo vencendo apenas 2 campeonatos neste século, nunca mais acordam. E como é importante os sócios acordarem.
O Sporting venceu 5 campeonatos na década de 40, 5 na década de 50, 2 na década de 60, 2 na década de 70, 2 na década de 80 e 2 a partir de 2000. Na década de 90 não venceu nenhum.

A forma como comunica e como vende a marca Sporting
A comunicação de uma instituição ou de uma empresa é das coisas mais importantes e não sou especialista na matéria. É a forma de dar a conhecer os projectos, decisões, posições e rumos da mesma, assim como as repercussões que essas mesmas decisões terão na vida da instituição.
Uma boa política de comunicação dá-nos, aos olhos alheios, uma maior ou menor grandeza, uma maior ou menor fragilidade.
O Sporting não pode continuar a tratar esta matéria com leviandade e amadorismo. Tem que definir, de uma vez por todas, uma política de comunicação, assim como os seus interlocutores. Não faz sentido não haver uma comunicação concertada, como hoje não há em Alvalade.
Já em relação à marca Sporting, ela é "sustentada" pelos muitos milhões de Sportinguistas espalhados pelo globo e essa é uma mais-valia inalienável para qualquer negociação. Seja com parceiros, com sponsors ou em questões como os direitos televisivos, por exemplo.
Tendo isso como mais-valia, porque é que não negociamos melhor? Porque é que o resultado das negociações nos parecem, aos sócios, sempre mal feitas? Muito provavelmente porque quem negoceia não tem essa capacidade ou então, fá-lo desonestamente e em detrimento dos interesses do Sporting. Das duas uma.

A forma como exige aos atletas e restantes assalariados e como paga o mérito de cada um
Há já uns anos que me parece que a exigência aos atletas e restantes assalariados é pouca ou nula. O Sporting, como entidade patronal, tem que se dar ao respeito, exigindo a excelência a atletas e outros assalariados, que são privilegiados na função que exercem e no clube que representam.Menos do que a excelência não serve os interesses do Sporting. Seja um presidente ou um roupeiro.
Falta meritocracia à estrutura verde e branca. Ou, pelo menos é isso que passa.
Dar mérito a quem o tem e tirá-lo a quem não o tem. Quem não trabalha de acordo com a exigência e pergaminhos de um clube como o Sporting não merece ser recompensado, como tantas vezes acontece e tem acontecido.
Fazendo um exercício simples, para os jogadores do Sporting , bem como para a estrutura técnica defino, a título de exemplo, um mapa rigoroso de prémio/pagamento com regras muito simples:


A incidência do prémio seria ordenado de cada atleta/técnico. Por exemplo, se um jogador ganha 12.000 euros, a incidência seria 12.000 euros. Num mês em que (para ser mais fácil) houvesse 4 jogos, por exemplo, com Benfica em casa, Braga fora, Feirense em casa e Académica fora e que o Sporting tivesse o registo de 4 vitórias calcular-se-ia da seguinte maneira:
12.000 + (10%) 1.200 + (5%) 600 + (0%) 0 + (0%) 0 = 13.800 euros
Se o Sporting tivesse 4 derrotas calcular-se-ia da seguinte maneira:
12.000 - (0%) 0 - (-10) 1.200 - (-20%) 2.400 - (-20%) 2.400 = 5.000 euros

Envolver os sócios, com seriedade, nas grandes questões
Os sócios de qualquer agremiação são a sua sustentação moral e física. Por isso quanto mais os sócios se sentirem envolvidos nas grandes questões e decisões, mais retorno dão. É tácito.
Um projecto sólido, claro e objectivo, trará sempre muitos sócios consigo de forma efectiva, assim como uma direcção que seja proactiva e verdadeira, que genuinamente veja os sócios como uma mais-valia ao invés de os ver como potenciais números que entram nas contas.
Os resultados desportivos, como se tem visto, são sempre circunstanciais e podem, em momentos específicos, trazer mais sócios, mas nunca o farão por si só de forma efectiva. Se não houver sustentação desses mesmos resultados na política do clube ou se esta não existir, os sócios, paulatinamente abandonarão o clube como o têm, invariavelmente, feito.
Não é à toa que na dobragem da década de 70 para a de 80 o Sporting era o clube em Portugal que mais sócios pagantes tinha (132.000) e hoje, passados 30 anos, se tiver 40.000 é muito.
Por aqui se percebe que o abandono teve como génese a perda de identidade, a falta de projectos vencedores e, consequentemente, a entrada numa espiral negativa, que tem estado presente nas últimas décadas e que, tem sido tapada pela peneira de um ou outro título exporádico.

Conclusão
O Sporting está doente porque não se consegue enquadrar nos novos desafios. Porque não tem uma identidade forte como ponto de partida e nunca definiu um rumo de chegada.
Há quem diga que o Sporting, para se equiparar aos outros grandes, tem de investir tanto ou mais do que eles. Eu acho que não. Acho que o que o Sporting tem de fazer é investir melhor, negociar melhor, batalhar melhor. No fundo, ser melhor e exigir excelência e sportinguismo desde a base até ao topo da pirâmide.
Primeiro há que arrumar a casa, legitimar o "governo", seja ele qual for, e definir um rumo e um projecto, cativando os sócios e partir para as conquistas. Só assim, alguma vez, será possível voltar a vencer.
A nossa identidade como clube está no lema Esforço, Dedicação, Devoção e Glória. E o que tem faltado para atingir a glória é mesmo o esforço de todos quantos são pagos para isso e não se esforçam; a dedicação daqueles que se dizem competentes e não acrescentam mais-valias e a devoção dos que se dizem sportinguistas mas servem-se do Clube. É assim agora, como é há 30 anos...

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